Design de produto com objetivos em mente

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Thayná | Junho 02, 2019

Photo by Pablo García Saldaña on Unsplash

Objetivos vs. tarefas, por que compreender essa dicotomia é essencial para o sucesso do design de produto?


Por Paulo Latancia

Ao longo dos últimos anos, já participei de conversas sobre os conceitos de objetivos de usuários e tarefas de usuários no contexto do design de produto.

Compreender esses dois conceitos é essencial para se criar produtos bem-sucedidos. Ao compreender essa diferença, começa a ficar claro quais são os fatores que determinam a boa maturidade dos processos de design de produto. Torna-se claro não apenas quando é o melhor momento para focar em objetivos ao invés de tarefas (e vice-versa), mas também como fazer isso.

A diferença entre objetivos e tarefas

Objetivo é sempre a expectativa por uma condição final. Geralmente, essa condição final não está relacionada ao próprio uso do produto, portanto ela é um resultado que os usuários desejam alcançar enquanto utilizam o produto como ferramenta. Em mercados altamente competitivos os usuários possuem inúmeras ferramentas (ou produtos) disponíveis para escolher em prol de cumprir um objetivo.

Tarefa é um passo dado pelo usuário durante o processo de atingir um objetivo. Para atingir o objetivo, os usuários passam por múltiplas etapas cumprindo pequenas tarefas. A arquitetura de informação de um produto digital é composto por tarefas.

Objetivos são guiados por motivações humanas. Tarefas, por outro lado, são guiadas por limitações tecnológicas. Portanto, os objetivos não costumam sofrer mudanças drásticas ao longo do tempo, enquanto as tarefas estão constantemente mudando.

Vamos usar como exemplo um objetivo que os seres humanos sempre possuirão: deslocar-se de um local para outro. A condição final desejada se mantém inalterada por séculos: sair do local onde eu estou agora e chegar ao local X, Y ou Z. Contudo, as tarefas realizadas para atingir essa condição final estão constantemente mudando.

Algumas décadas atrás uma das possibilidades existentes para quem não possuía um veículo próprio era chamar um táxi por meio de uma ligação telefônica, esperar pela chegada do táxi e, por fim, pagar o taxista em dinheiro vivo ao chegar no destino.

Hoje em dia, com a evolução da tecnologia, os consumidores possuem dezenas de outras opções disponíveis para ajudá-los a cumprir o objetivo, como Uber, 99 e Cabify.

As tarefas que os usuários realizam nessas ferramentas são completamente diferentes das tarefas de algumas décadas atrás. Atualmente, as tarefas incluem compartilhar sua localização em um mapa digital, aguardar um motorista que esteja próximo a você aceitar seu pedido, e realizar o pagamento com seu cartão de crédito de forma quase automática quando chegar ao destino.

Portanto, podemos concluir que o design orientado por objetivos baseia-se em pessoas, enquanto o design orientado por tarefas baseia-se em tecnologia.


Photo by  Hans Vivek on  Unsplash

Design orientado por tarefas

Mesmo após várias décadas de evolução na indústria de desenvolvimento de software, ainda é comum vermos empresas construindo produtos digitais unicamente com base em tarefas e ignorando objetivos.

O design orientado por tarefas caracteriza-se pela forma como a arquitetura de informação do produto é concebida. Em termos práticos, essa abordagem ocorre quando os product owners elaboram uma longa lista de user stories sobre as funcionalidades que o produto deve englobar. A consequência disso no trabalho do designer é uma rotina similar a uma “linha de produção de interfaces do usuário”. A essência do problema está na origem dessa lista de user stories e como elas foram priorizadas.

Processos orientados por tarefas dificilmente envolvem pesquisas e observações de usuários. Neste caso, a lista de user stories é o resultado de palpites e suposições dos stakeholders envolvidos no projeto.
A consequência do design orientado por tarefas é:

  • Número exagerado de funcionalidades. O produto é carregado e pesado. Os usuários precisam cumprir muito mais tarefas do que o necessário para cumprir o objetivo.
  • Funcionalidades inapropriadas. A forma como as funcionalidades foram construídas não condiz com os modelos mentais dos usuários.

Design orientado por objetivos

Iniciar a criação de um produto com os objetivos dos usuários em mente é o que frequentemente garante o sucesso das empresas.

Quando as pessoas utilizam um produto, elas têm objetivos em mente, e não tarefas. Pense por um instante sobre como você usa aplicativos de mídias sociais, como Facebook ou Instagram. Na maioria dos casos, as pessoas não acessam essas mídias sociais para realizar uma tarefa específica, mas sim para “ver o que está rolando”. E o simples fato de se possuir um objetivo em mente ao começar a usar um produto já é o suficiente para o cérebro do usuário construir e ativar um modelo mental (mesmo que de forma subconsciente).

Possuir uma visão clara e confiável sobre os objetivos dos usuários permite que os designers entendam suas expectativas e aspirações, o que por sua vez leva a uma compreensão sobre modelos mentais o que, por fim, torna as propostas de funcionalidades e interações do produto mais certeiras.

A abordagem orientada a objetivos não apresenta o formato de “linha de produção de interfaces do usuário” mencionado anteriormente. Ao invés, disso, há um outro tipo de processo bem definido, que será explorado na próxima seção deste texto. A consequência do design orientado por objetivos é:

  • Número apropriado de funcionalidades. O produto é sucinto e direto ao ponto, fazendo com que os usuários precisem realizar a quantidade certa de tarefas para atingir o objetivo.
  • Funcionalidades apropriadas. A forma como as funcionalidades foram construídas condiz com os modelos mentais da maioria dos usuários.


Photo by  Helloquence on  Unsplash

Quando e como focar em objetivos e tarefas

Até agora pode ter parecido que os designers não devem focar em tarefas no processo de design de produtos, mas não é bem assim. Tarefas também precisam ser parte do foco do trabalho do designer, mas isso deve acontecer no momento e formato corretos.

As tarefas devem ser o foco das atividades de design apenas após UX research ter atuado. Para começar a traduzir tarefas em interfaces navegáveis, os designers precisam possuir dados suficientes sobre os usuários. Dados sobre os usuários, neste caso, significa compreender seus objetivos e tudo o que vem junto disso, como expectativas, aspirações e modelos mentais.

A forma mais comum para se obter esse tipo de dado é por meio de pesquisas etnográficas e observacionais acerca dos usuários. Na maioria das vezes, esses dados culminam na construção de perfis de personas. Apenas depois de entender claramente os objetivos dos usuários é que se torna possível afirmar quais tarefas são necessárias para o produto e quais são dispensáveis.

Após compreender os usuários de uma perspectiva qualitativa, o próximo passo é focar nas tarefas, o que essencialmente é a etapa de design que dá forma e materializa o produto. É o momento de converter os dados qualitativos em interfaces do usuário e fluxos de navegação. Em outras palavras, focar em tarefas é determinar a aparência e comportamento das funcionalidades do produto.

Os designers devem sempre trabalhar em função de propor funcionalidades para o produto que se aproximem o máximo possível dos modelos mentais dos usuários. Uma forma confiável de se medir isso é por meio de testes de usabilidade, que ajudam a aferir o quão previsível o comportamento do produto é para os usuários.

Para encerrar…

O trabalho de design focado em objetivos visa aprimorar a utilidade do produto. Já o trabalho de design focado em tarefas visa melhorar a usabilidade do produto.

Em termos práticos, utilidade e usabilidade são correspondentes a pesquisas de usuários e métricas de usabilidade.

Apesar de soar estranho, é possível obter um produto que é útil, mas possui usabilidade ruim. Ou um produto que é inútil, mas possui boa usabilidade. (Obviamente, um produto que é inútil e possui usabilidade ruim é um completo fracasso).

A essência do sucesso em mercados fortemente competitivos, nos quais os usuários possuem inúmeras opções para escolher, é a atuação de design de produtos visando bons níveis de utilidade e usabilidade ao mesmo tempo.

Paulo é Especialista em UX Design na Daitan. Possui ampla experiência em design de produtos digitais: pesquisas com usuários, ideação, prototipação, testes de usabilidade, UI design e contato diário com times de desenvolvedores. Já trabalhou em projetos premiados de impacto nacional no Brasil e em projetos globais com empresas da Europa e América do Norte.