Por mais que o tema tenha avançado bastante nos últimos tempos, ainda vemos que algumas discussões sobre o espaço que, supostamente, cada gênero deveria ocupar dentro do mercado de trabalho. E uma pergunta que fatalmente acaba aparecendo: mulheres e tecnologia combinam?
Só existe uma resposta certa para esta pergunta: mulheres combinam com o lugar que elas decidirem ocupar. Seja na tecnologia, na aeronáutica, na engenharia, na medicina, na pedagogia ou em qualquer outro campo do conhecimento. Definir o espaço que uma pessoa deve ocupar a partir do seu gênero é algo que deixou de fazer sentido há anos.
Pensando nisso, aproveitamos que março é mundialmente celebrado como mês das mulheres, para um compilado especial sobre o tema Mulheres & Tecnologia. Semanalmente, traremos uma pauta diferente. Quem inaugura esta sessão é nossa ex-colaboradora Luana Pimentel, desenvolvedora Full Stack.
Luana trabalhou por quase 4 anos na Daitan e é formada em Ciência da Computação pela Unicamp. Recentemente ela saiu da empresa, mas não sem antes deixar sua mensagem nessa entrevista. Em um meio em que prevalece o domínio de homens cisgênero*, heterossexuais, brancos e de classe média, a profissional passou pelo processo de transição de gênero em 2017. Mesma época em que a Daitan iniciou o seu programa de diversidade, o que abriu espaço para diálogos sobre o tema e ajudou no processo junto às equipes.
*Cisgênero é o indivíduo que se identifica com o sexo biológico com que nasceu.
Minorias
Segundo Luana, o que acontece em grande parte das empresas, quer seja com as mulheres ou com a comunidade LGBTI, é um reflexo do que já é praticado pela sociedade. “Essas minorias já são excluídas no dia a dia, logo, o que vemos no mundo corporativo nada mais é do que um reflexo desta realidade”, aponta. A liderança, que teria um papel importante para romper essa dinâmica e enxergar as especificidades das minorias, normalmente também está alheia ao tema. “Em muitos casos, isso é tratado de forma improvisada, o que dificulta a efetividade de um programa de diversidade”, explica.
Como abordar a diversidade no ambiente corporativo
Uma mudança efetiva para progredir a questão da diversidade dentro do ambiente corporativo parte de dois pontos fundamentais, de acordo com Luana:
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Alinhar valores e objetivos da empresa com a diversidade. Isso significa deixar claro que, ao promover o tema, os valores estão mantidos e que esta conduta está coerente com a missão. Algumas empresas colocam isso em prática reunindo minorias em seu efetivo de colaboradores, com o objetivo de deixar o ambiente com mais diversidade de pessoas e ideias, o que ajuda no desenvolvimento dos colaboradores e na assertividade do programa.
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Posicionar-se diante do tema. Uma política neutra apenas ratifica o que a sociedade é. Se uma empresa quer ser um fator de mudança e promover a diversidade, é necessário dar visibilidade às minorias e mostrar que são bem-vindas na empresa e, principalmente, que estarão em um ambiente acolhedor, no qual discussões sobre especificidades (LGBTfobia, machismo, racismo, etc) são não apenas possíveis, mas promovidas de forma a educar os colaboradores que, involuntariamente, reproduzem preconceitos.
Superando as dificuldades
Desconforto de lidar com o silêncio dos colegas, olhares, atitudes alheias ou o ter que pedir para ser respeitada profissionalmente como qualquer outra pessoa deveria ser. Estes são alguns obstáculos que as mulheres precisam superar dentro de ambientes predominantemente masculinos, como os de TI.
“Vou colocar aqui um pouco da minha visão junto com experiências de outras amigas trans/travestis que trabalham na área de TI. Uma das particularidades do setor é o silêncio: dificilmente você vai ouvir diretamente algo que te ofende ou que te inferioriza, mas quando isso acontece todos os olhares e atitudes que nem sempre se dão atenção começam a fazer sentido. Um exemplo bem explícito foi o de uma amiga que ficou quatro meses sem conversar com o gerente, e quando o fez, ele disse que não falava com ela por não saber como.”
“A dificuldade está em coisas simples que se tornam complicadas ou desconfortáveis no dia a dia, como ir ao banheiro, pedir algo para alguém ou ser respeitada profissionalmente como qualquer outra pessoa (no caso da área de TI, ser respeitada como os homens o são). A gente ocupa um “não-lugar”, em que muitas vezes nos veem como algo não-humano ou que pode ser tratada como tal. Porém, no meu caso, isso nunca foi explícito, com algumas exceções, e, ultimamente, já quase não existe. Mas é algo que deixa marcas e me faz estar sempre preparada para o pior”, conclui Luana.
A Daitan criou um programa de diversidade com o intuito de melhorar essas questões dentro da empresa, quebrar barreiras, estruturar melhorias e ampliar o diálogo. Sabemos que ainda há muito o que fazer e que a criação de um programa não basta: é preciso muita movimentação e mudança. O Diversity Program dá os seus “baby steps”, mas com a certeza de que chegaremos longe e faremos a diferença. Para Luana, a criação desse programa foi muito importante, mas ela enxerga que ele ainda não tão tem a representatividade e alcance esperados, por isso ela nos incentiva a ir além. E nós vamos! Acreditamos que o sucesso da empresa está em nossas pessoas e em suas particularidades. Afinal, é o capital intelectual, a diversidade e a criatividade que trazem o resultado e a perenidade dos negócios.